quarta-feira, 11 de junho de 2008

Pesquisa do Ipea mostra que cerca de 90% da juventude do país não consomem atividades e bens culturais

Debate - Alessandra Duarte - Jornal O Globo - 08/06/2008

‘O último filme que vi no cinema foi ‘X-Men 2’, conta Flávio Anastácio da Costa, de 20 anos.
Será que não foi o 3, de 2006, o longa mais recente da série, em vez do 2, lançado há cinco anos?
— Não, foi o 2 mesmo.



Morador da Cidade de Deus, favela na Zona Oeste do Rio, Flávio Anastácio está acompanhado por 93,7% da população de jovens do país. Essa é a parcela de jovens de 15 a 29 anos no Brasil que não consome cinema, segundo um estudo publicado em abril deste ano pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Chamada “Juventude e políticas sociais no Brasil”, a pesquisa mostra o perfil de consumo de cultura dos jovens brasileiros. A principal conclusão a que se chega com os dados do estudo: levando em conta apenas as atividades e bens culturais pagos, cerca de 90% da juventude brasileira não consomem cultura.

Baseado em dados da última Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2003, o estudo aponta que o item mais consumido pelos jovens são os jornais e revistas: 7,1% dos pesquisados compram algum periódico (pelo menos uma vez por mês, a periodicidade que a pesquisa leva em conta para dizer que aquele bem é consumido). Em seguida, vêm os vídeos (onde entram os DVDs), consumidos no mínimo uma vez por mês por 6,5%; cinema, com 6,3%; CDs de música, com 4,4%; e livros didáticos, com 4,2% (aqui entra o fato de que boa parte das famílias recebe livros didáticos gratuitos, pela política do governo federal de popularização desse material).


Entre os menos consumidos, peças e livros

Os menos votados foram teatro, consumido por apenas 2,8% dos jovens, e livros (excluindo os didáticos), com 1,7%. Há ainda o item “Outras saídas”, no qual entram boates, festas, shows e bailes, consumido por 8,4% dos jovens.

Flávio Anastácio, por exemplo, nem lembra a última vez em que foi ao teatro. Mas toda semana vai a alguma apresentação de break no núcleo da Central Única das Favelas (Cufa) na Cidade de Deus, onde mora, ou a alguma lanhouse ou locadora de filmes do local. Como a Sucilla, há 16 anos lá e onde o filme mais alugado, de longe, é... “Cidade de Deus”.

— Quando o DVD saiu, eu tinha dez cópias e as dez ficavam alugadas todo dia — diz Antônia Cardoso, uma das donas da locadora, com cinco mil associados.

Bailes charme e funk — que entram na categoria “Outras saídas” — também estão na lista de compras culturais da juventude da região.

— Aqui são uns três bailes, todo fim de semana. No baile Lar de Prata, a mania agora é ver qual galera é a maior e tem a melhor fantasia: existe a galera do boné, que vai para o baile de boné; o bonde da raquete, que vai com raquete de tênis; a galera do mototáxi, que vai de capacete... Tem uma que foi uma vez de “Hulk”, com todos pintados de verde — conta Gabriel Pessoa Ferreira, de 21 anos, outro morador da Cidade de Deus.


Pesquisa aponta o peso dos caros ingressos de teatro

O estudo do Ipea mostra também o gasto médio mensal dos jovens com cultura. Apesar de ir pouco ao teatro, é com ele o maior gasto per capita mensal dos jovens, entre aqueles consumidores de cultura: R$403. O que indicaria o quanto o preço do ingresso de teatro é alto: nas poucas vezes em que o jovem vai a uma peça, gasta muito, e o suficiente para que esse seja seu maior gasto em cultura.

O segundo maior gasto (excluindo-se a categoria “Outras saídas”, com R$400) é com CDs (R$237), seguido por periódicos (R$235), vídeos (R$190), cinema (R$186), livros (R$157) e livros didáticos (R$94).

A pesquisa revela ainda as desigualdades de acesso à cultura segundo a escolaridade. Quando se vai para a parcela dos jovens com 12 anos ou mais de estudo (os universitários), o percentual de jovens que consomem cultura e o gasto deles com ações e bens culturais se multiplicam por até seis vezes.

Se só 6,3% dos jovens, no total, vão ao cinema, esse número sobe para 29,8% quando é vista apenas a parcela dos universitários (ou seja, 29,8% dos jovens com 12 anos ou mais de estudo vão pelo menos uma vez por mês ao cinema). Quanto ao consumo de livros, o percentual sobe de 1,7% para 8,1%. No consumo de CDs, vai de 4,4% para 15,1%; no de periódicos, de 7,1% para 28,1%.


Escolaridade também muda total de gastos per capita

Também há diferenças nos gastos per capita mensais considerando todos os jovens (não só os que consomem cultura): se cada jovem gasta, em média, R$12,4 com vídeos, cada jovem universitário gasta R$50,7. Esse valor vai de R$2,7 para R$19,3 no caso dos livros; de R$11,7 para R$67,5 no caso do cinema; e de R$11,5 para R$32,5 quanto ao consumo de teatro.

É entre os consumidores de livros que está Frederico Cavadas Ferreira, de 20 anos:
— Este ano já li nove livros. Estudo produção musical e trabalho com isso, então também compro muito CD e vou a shows toda semana — diz Ferreira. Ele vai menos a peças de teatro do que gostaria: sua última peça foi “Surto”, vista há pouco mais de um mês. — Moro ao lado do Shopping da Gávea, então sempre passo aqui e vejo quais peças estão em cartaz. Mas nem sempre dá para ir. Teatro é muito caro, né?

Para o pesquisador Frederico Barbosa, da diretoria de estudos sociais do Ipea, o resultado do estudo mostra a dificuldade das políticas públicas de oferecerem acesso à cultura.

— A classe mais baixa praticamente não vai ao cinema. Não só pelo preço alto do ingresso, mas porque os cinemas se deslocaram para os shoppings ou para locais que exigem certo tipo de roupa, de comportamento, que faz as pessoas de classe baixa se sentirem excluídas. Com o teatro a situação se agrava, e podemos ver isso no fato de o gasto com ele ser o mais alto, apesar de a ida ao teatro ser bem pouco freqüente. Isso pode ser tanto pelo ingresso caro quanto pela localização das salas, em maior número nas áreas de alta renda — afirma Frederico Barbosa. — Também tem que se levar em conta que esses hábitos se reproduzem de geração em geração. Filhos de pais que não freqüentam cinema, teatro, ou que não lêem, por exemplo, tendem a seguir esses mesmos padrões de consumo cultural. Geralmente as políticas não ampliam o rol dos que consomem cultura. Apenas fazem com que as mesmas pessoas passem a consumir mais.

Cinema
Consumido por 6,3% do total de jovens e por 29,8% dos universitários; gasto per capita total de R$11,7 e de R$67,5 entre universitários

Vídeo
Consumido por 6,5% do total de jovens e por 20,6% dos universitários; gasto per capita total de R$12,4 e de R$50,7 entre os universitários

Teatro
Consumido por 2,8% do total de jovens e por 7,1% dos universitários; gasto per capita total de R$11,5 e de R$32,5 entre os universitários

CD, Vinil e Fita
Consumido por 4,4% do total de jovens e 15,1% dos universitários; gasto per capita total de R$10,6 e de R$46,6 entre os universitários

Livros Didáticos
Consumido por 4,2% do total de jovens e por 3% dos universitários; gasto per capita total de R$3,9 e de R$4 entre os universitários

Livros
Consumido por 1,7% do total de jovens e por 8,1% dos universitários; gasto per capita total de R$2,7 e de R$19,3 entre os universitários

Periódicos
Consumido por 7,1% do total de jovens e por 28,1% dos universitários; gasto per capita total de R$16,6 e de R$86,1 entre os universitários

Outras saídas (boates, bailes, festas, etc.)
Consumido por 8,4% do total de jovens e por 18,6% dos universitários; gasto per capita total de R$33,5 e de R$126,4 entre os universitários


“Geralmente as políticas não ampliam
o rol dos que consomem cultura.
Apenas fazem com que as mesmas
pessoas passem a consumir mais.”

Frederico Barbosa, pesquisador do Ipea

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