quarta-feira, 4 de julho de 2007

Prepare-se para a Wikinomia

Negócios no Second Life? Eles são só uma parte da próxima onda: economia baseada em colaboração em massa e trabalho entre pares.

Tecnologia - André Machado
Jornal O Globo - 25/06/2007

O avatar do publicitário Márcio Ehrlich, no Second Life (SL), assistiu a um casamento no mundo virtual há algumas semanas. Entretanto, como o casal era brasileiro e a cerimônia, oficiada em inglês, ele teve que ajudar na tradução dos ritos. Acabou oficiando extra-oficialmente o casório, e percebeu que havia um mercado para a coisa. Abriu uma capela para casamentos, a Moo’nlighting Chapel (grafada assim mesmo, devido ao nome do avatar de Ehrlich, Márcio Moo), onde já tem cerimônias agendadas, incluindo tudo: DJ virtual, fotógrafo e orientação para comprar roupas e outras coisas para o casamento.

— A capela fica em Fairchang Vista NW, e já bolei uma promoção oferecendo três casamentos de graça — conta Márcio, que cobra R$35, ou 3.500 Linden Dollars, a moeda do SL, por uma cerimônia (a metade do preço usual por lá). — Já se inscreveram na promoção 36 avatares femininos.

Ehrlich é apenas um exemplo de empreendedorismo no meio de uma nova era econômica que chega com impacto: a "wikinomia", ou wikinomics, para ficar no termo original cunhado pelo consultor canadense Don Tapscott, co-autor do livro "Wikinomics: como a colaboração em massa pode mudar seu negócio" (Nova Fronteira). O livro, best-seller internacional, chega esta semana às livrarias, e na próxima quarta-feira Don fará em São Paulo, na IT Conference, sua primeira conferência fora dos Estados Unidos e Canadá sobre o assunto. Falando ao "Info Etc" por telefone de San Diego, ele contou que escolheu fazer seu keynote aqui porque adora o país — já esteve no Rio, em Salvador e em Comandatuba com a família.

Quem não largar o osso vai ficar para trás na nova ordem

Mas o que é a wikinomia? Trata-se de uma nova forma de fazer negócios e trabalhar em conjunto, colaborativamente. Como na Wikipedia, por exemplo. Ou como na comunidade de programadores do software livre. Segundo Tapscott, estão condenadas à morte as empresas que, hoje, se apegarem demais à propriedade intelectual e não souberem trabalhar com parceiros (peers), não apenas fornecedores.

— Estamos caminhando para a maior mudança já vista na natureza corporativa, para uma mudança no modo como as empresas orquestram sua capacidade de inovar e criar serviços — diz ele.

No século XX, prossegue Don, isso era feito em empresas verticalmente integradas, em que todas as atividades estavam dentro das fronteiras da empresa. Com a chegada da internet, criou-se a "business web", em que as companhias se espraiavam e se concentravam no que faziam melhor, enquanto uma rede de parceiros cuidava do resto.

— Agora, com a colaboração em massa e a wikinomics, estamos seguindo para o próximo estágio. E nesse estágio as pessoas, os pares (peers) podem se reunir via web e criar valor fora das fronteiras da empresa, de modo que ela precisa se comportar de modo diferente.

Por "de modo diferente" entenda-se a adoção de quatro procedimentos fundamentais. Primeiro, deixar para trás o conhecimento fechado e adotar o aberto.

— As empresas sempre quiseram proteger a propriedade intelectual, com restrições, copyright e assim por diante. Mas isso não terminou bem, por exemplo, para a indústria da música. Nem para a Microsoft, que acabou brigando com o Linux e sofrendo por causa disso — afirma.

É preciso ao menos compartilhar uma parte do negócio

Para Don, as empresas inteligentes hoje percebem que se deve ter uma parte de sua propriedade intelectual reservada, resguardada, e outra que se compartilha com parceiros e clientes, ou simplesmente se abre para todos, de modo que seja de todo mundo e esteja disponível para todo mundo.

— Foi o que a IBM fez ao suportar o Linux, passando a ganhar US$1 bilhão de dólares por ano e montando uma plataforma sobre a qual criaram um negócio multibilionário — afirma. — Foi o que fizeram as empresas de biotecnologias envolvidas no mapeamento do genoma humano. As empresas precisam encarar a propriedade intelectual de forma diferente nesse novo ecossistema.



A era do interminável aprendizado

No mundo da colaboração, não dá para relaxar e gozar: o que se aprende hoje pode não valer amanhã


O estúdio da agência Reuters no World Economic Forum dentro do Second Life: produtos criados por "prosumidores"

Outro exemplo citado no livro de Tapscott é uma empresa de mineração que abriu informações na web sobre uma jazida de ouro e pediu ajuda para melhor explorá-la. Acabou montando uma rede peer-to-peer multidisciplinar (e, claro, pagou aos colaboradores) e lucrou muito no novo processo.

Uma "pele elétrica" que recobre o planeta

O segundo procedimento "wikinômico" apontado por Don é justamente trabalhar em pares, num esquema peer-to-peer. O terceiro, ser capaz de compartilhar. E o quarto, agir de forma global, como acontece na própria internet, definida no livro como uma "pele elétrica" que recobre a Terra.

— A própria internet é um grande produto da colaboração em massa — lembra Tapscott. — Foi criada através da auto-organização. Não é propriedade de ninguém. E essa colaboração muda a própria internet.

— Veja as ferramentas de busca, das quais o Google é a dominante. Agora surgiu um desafio a ela que partiu de Jimmy Wales, criador da Wikipedia. Ele tentou bolar uma search engine baseada em wikis (softwares ou URLs que podem ser editados pelos usuários) em que as pessoas podem usar suas próprias informações para identificar e procurar links e sites relevantes.

Ser profissional nessa era de colaboração significa estar sempre pronto a aprender e se reinventar. Ou seja, aquela conversa de que com a tecnologia iríamos todos relaxar e gozar é só conversa fiada mesmo.

— Antigamente, nos formávamos na faculdade e estávamos mais ou menos preparados para a vida. Hoje você se forma e é só o começo. Você não está preparado para a vida, está preparado para 15 minutos — sentencia Don. — Metade do que se aprendeu no primeiro ano já está obsoleto quando chegamos ao quarto ano.

A internet, na verdade, é só parte disso — estamos vivendo numa economia do conhecimento, e por isso há que reinventar nossa base de saber múltiplas vezes enquanto seguimos pela vida.

— Isso é uma grande responsabilidade, mas também uma grande oportunidade. E a web é a ferramenta perfeita para aproveitá-la.

O Second Life faz parte desse processo de colaboração em massa. O avatar de Tapscott já deu uma conferência lá. Mas para ele o aspecto mais interessante do Second Life não é sua virtualidade, mas o fato de que é, na verdade, uma empresa — a Linden Labs — cujos produtos, ou 99% deles, são criados por seus clientes.

— Em outra palavras, estamos criando produtores em vez de consumidores: os "prosumidores" — diz Don, que usa colaboração em sua vida profissional. O capítulo final de "Wikinomics" é um wiki, escrito por gente do mundo todo.

Quando a gente escuta essas teorias econômicas, logo se pergunta: mas não será uma nova bolha? Don nega.

— A wikinomics não é uma nova bolha. As empresas percebem que é preciso mudar: bancos, companhias de mineração, de eletroeletrônicos, todos compreendem os princípios. — diz.

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