sexta-feira, 10 de agosto de 2007

Nos bits do rádio

Transmissões no padrão digital começam este ano no país e prometem revolução no setor

País - Eliane Oliveira e Henrique Gomes Batista
Jornal O Globo - 30/07/2007

A expressão "do tempo do rádio à pilha", usada para indicar coisas antigas e ultrapassadas, terá de ser aposentada. Ainda neste ano, as transmissões radiofônicas digitais devem se transformar em realidade em cidades como Rio, São Paulo, Belo Horizonte, Curitiba e Porto Alegre, revolucionando este meio de comunicação. O governo, segundo o ministro das Comunicações, Hélio Costa, decide esta semana o sistema a ser utilizado para o rádio digital. O novo padrão gastará menos energia e bateria, assim como aconteceu com os telefones celulares, o que deverá levar a um novo ciclo de expansão do rádio de pilha. Porém, com maior qualidade de transmissão e mais opções para o ouvinte.

O decreto presidencial que institui o novo modelo no país deverá ser assinado no início de setembro, mês em que se comemoram os 85 anos da primeira transmissão de rádio no Brasil. A expectativa de governo, indústrias e emissoras é que a transição do atual sistema analógico para o digital seja mais veloz que a popularização da TV digital. Ainda em 2007, o consumidor poderá ouvir uma estação FM com qualidade de CD e escutar uma estação AM com qualidade de FM. Além disso, o ouvinte poderá se beneficiar da multiprogramação, uma vez que cada emissora terá quatro canais à disposição.

Aparelho exibe mensagens de texto

As revoluções causadas pela mudança não param aí. O visor dos aparelhos serão verdadeiros letreiros digitais, que poderão transmitir notícias, previsões do tempo e outras informações complementares. O consumidor brasileiro — assim como já ocorre nos EUA e na Europa — poderá contar também com a rádio por assinatura, por meio de freqüências fechadas de ondas curtas (OC). O sistema OC de rádio digital é capaz de mandar um sinal perfeito a mais de 3 mil quilômetros de distância.

— Uma emissora sediada em Brasília cobriria a América do Sul inteira. Dá para fazer transmissões em freqüências fechadas. Essas freqüências, hoje praticamente abandonadas, deverão ser reutilizadas ainda para transmissão de dados e também como rede de distribuição de programas oficiais do governo e de projetos educacionais — explicou o ministro Costa.

As transmissões em caráter experimental por 17 emissoras já ocorrem há dois anos nas cidades de São Paulo, Rio, Belo Horizonte, Curitiba e Porto Alegre. Outras 50 emissoras aguardam apenas a autorização da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) para dar largada na tecnologia.

A tendência é que o comitê encarregado de estabelecer o padrão a ser usado e o modelo do negócio escolha um sistema híbrido: o americano (Iboc), preferido dos radiodifusores, para FM e AM e o europeu (DRM) para ondas curtas. Formado por representantes do governo, das emissoras e da sociedade civil, o comitê se reúne nesta quarta-feira. Na sexta, o ministro das Comunicações encaminhará ao Palácio do Planalto o relatório final.

— Resolvemos o problema da banda de transmissão. Hoje, se você quiser colocar uma rádio analógica no centro de São Paulo, não há espaço — diz Costa.

Ele acrescentou que os ouvintes serão beneficiados com a entrada de novos players, aumentando a concorrência e democratizando o rádio no país. Rio e São Paulo, que estão com os dials congestionados, estão entre os maiores beneficiados. A meta do governo é que, em dez anos, cada um dos 5,6 mil municípios brasileiros tenha ao menos uma emissora de rádio.

O ministro revelou que o Brasil conseguiu dos americanos a garantia de que não haverá pagamento de royalties pelos radiodifusores brasileiros, a não ser pelo aparelho, a um valor estimado em US$1. Esse custo, segundo ele, deverá ser absorvido pelas indústrias.

A passagem do rádio analógico para o digital ocorrerá naturalmente, como aconteceu no passado quando os aparelhos com rádio AM e ondas curtas começaram a ser comprados também com FM. O governo quer estimular as montadoras, inclusive, a vender rádio digital nos veículos a partir de 2008. Será possível também comprar um conversor que, instalado no aparelho, fará a mudança de padrão. Durante dez anos, entretanto, haverá um período de transição. A emissora transmitirá, ao mesmo tempo, por via analógica e digital.


Nova tecnologia deve estimular expansão da indústria e do mercado publicitário e movimentar mais de R$100 bilhões em dez anos

O surgimento da rádio digital poderá trazer benefícios a uma indústria que deixou de existir após o avanço das importações de aparelhos chineses, japoneses e coreanos. Hoje não existem fábricas de rádio no país. A previsão do governo federal e do setor privado é que, em dez anos, o novo sistema movimente mais de R$100 bilhões, valor equivalente à metade esperada para a TV digital. A conta abrange tanto a transmissão em si quanto o comércio de aparelhos.

Num primeiro momento, os preços dos aparelhos receptores serão elevados em comparação aos analógicos — que podem ser comprados por até R$10 em feiras livres. A estimativa é que, no início, o valor fique em torno de R$300, mas a tendência é o preço cair ao longo dos anos.

— Se forem fabricados no país, os rádios digitais terão os mesmos preços dos aparelhos analógicos — disse Tamio Harada, diretor administrativo da Kenwood, uma das maiores fabricantes de rádio automotivo do mundo.

Kenwood poderá fabricar receptores no país

A Kenwood, aliás, já está fazendo testes de rádio digital em São Paulo. Harada afirmou que a empresa ainda está decidindo se fabricará ou não no Brasil os receptores digitais.

— Isso depende da velocidade da migração das emissoras para o novo sistema. A diferença de qualidade vai forçar essa mudança e pode valer os investimentos para uma fábrica — afirmou o diretor.

Para Benjamin Sicsú, diretor da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee), será necessária a implementação de uma política pública para impulsionar a indústria nacional:

— O crescimento de uma indústria ou a vinda de fabricantes para o Brasil não depende apenas de tecnologia, mas de incentivos.

Quanto a isso, não haverá problema, assegurou o ministro das Comunicações, Hélio Costa. Assim como foi feito com a TV digital, o governo adotará medidas para estimular a instalação de indústrias no Brasil, com linhas de financiamento do BNDES e incentivos fiscais.

— O governo está pronto para ajudar empresas que queiram se estabelecer para produzir rádio digital em qualquer lugar — afirmou o ministro.

As emissoras estão ansiosas pelas mudanças. Elas acreditam que o padrão digital será o renascimento da AM (ou OM, Ondas Médias, em português). As empresas acreditam que o mercado publicitário poderá ser multiplicado por três em poucos anos. Hoje, cabe ao rádio uma fatia de apenas 4% do bolo publicitário, estimado em R$11 bilhões por ano.

O presidente da Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), Daniel Slavieiro, acredita que a migração para sistema digital se dará de forma bastante rápida:

— O setor defende a urgência na definição do padrão. Não por vaidade, mas por necessidade. Os nossos novos concorrentes, os MP3 e os Ipods, já são digitais.


Nos EUA, 1.200 emissoras e 14 milhões de ouvintes

Internacional - Marília Martins
Jornal O Globo - 30/07/2007

Astros, como Bob Dylan, têm programas em rádio digital. Carros saem de fábrica com o aparelho

Há hoje cerca de 1.200 estações de rádio digital que transmitem regularmente programação pela internet nos EUA. Ainda é muito pouco, se comparado com as mais de dez mil estações de programação analógica espalhadas pelo país. O setor, porém, cresce numa velocidade tão surpreendente que começa a causar forte impacto na rede tradicional, com número de intervalos comerciais por hora de programação em queda. Muitas empresas de comunicação estão replicando na Internet modelos de programas transmitidos pela rede AM/FM. Mas a indústria começa a aderir à onda digital. Desde 2005, as mais famosas marcas de automóveis nos EUA oferecem receptores de rádio digital em seus modelos. Em 2007, a BMW foi a primeira a lançar carros com rádio digital de alta definição (HD), instalado de fábrica. E a Wal-Mart anunciou que vai vender, a partir do segundo semestre, aparelhos de rádio com recepção de transmissão digital de alta definição em suas lojas a preços populares.

Em 2006, um estudo da consultoria Arbitron mostrou aumento de 50% no número de ouvintes de rádio digital em relação ao ano anterior. Cerca de 14 milhões de americanos pagam para ter acesso à programação, oferecida por duas grandes redes, a Sirius e a XM (que cobram cerca de US$12 por mês). É pouco se comparado aos 230 milhões de americanos que ouvem freqüentemente estações de rádios tradicionais, num dos mercados mais abrangentes e disputados do setor de comunicações. Mas os analistas estimam que o crescimento do rádio digital ainda vai acelerar-se, no rastro da popularização do acesso à Internet via banda larga ou por rede sem fio.

As redes por assinatura oferecem programas exclusivos de noticiário, esportes, música, entrevistas, religião, e transmitem em inglês, espanhol, francês e coreano. Também investem fortemente em atrações de grande audiência. Bob Dylan, por exemplo, tem um show de música, com muitos convidados, na XM Satellite Radio. A apresentadora Martha Stewart tem um programa de grande audiência numa das estações da rede Sirius.

Lançada em 2002, a Sirius tem hoje 69 canais (streams) de música e 65 de esportes, notícias e entretenimento. Um dos mais controvertidos apresentadores de rádio de Nova York, Howard Stern, causou furor em janeiro de 2006 ao trocar seu programa tradicional por uma estação de rádio exclusiva da rede. Em fevereiro deste ano, a Sirius e a XM anunciaram um acordo para fazer a fusão das duas empresas, mas o negócio está sendo examinado pelo governo americano.

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