sábado, 23 de junho de 2007

Duro ataque de Blair irrita jornais britânicos

Primeiro-ministro havia acusado a mídia de agir como 'besta-fera, estraçalhando pessoas e reputações'

Internacional - Fernando Duarte
Jornal O Globo - 14/06/2007

O premier britânico Tony Blair havia previsto que seu discurso de terça-feira, em que criticou a mídia britânica, acusando-a de agir como uma "besta-fera", não seria bem recebido. E estava certo. As críticas — e contundentes respostas — ocupavam ontem as manchetes dos principais jornais britânicos. Em especial, do "Independent", citado pelo premier. "O senhor diria isso, senhor Blair, se tivéssemos apoiado a sua guerra no Iraque?", perguntou o jornal, na primeira página.

Na véspera, Blair havia aproveitado um de seus últimos discursos como premier — deixa o cargo no dia 27 — para fazer um duro ataque à mídia. Ele não apenas criticou o que chamou de obsessão dos jornais com o impacto das notícias, como sugeriu a criação de mecanismos reguladores para "buscar mais compromisso com a verdade do que com as vendas".

Diários lembram gosto do governo pela propaganda

Os jornais mostraram indignação, sobretudo porque a crítica veio de um político cujos dez anos de governo foram caracterizados pelo uso desenfreado de promoção através da mídia, prática conhecida em inglês como spin. E, como lembrou um editorial no "Sun", a tática nem sempre foi marcada por escrúpulos.

O "Sun" mencionou o vazamento de um e-mail de um assessor de Blair enviado poucas horas após os ataques de 11 de Setembro, em que falava sobre uma oportunidade única para "enterrar más notícias". Já o editor de política do "Daily Mirror", Kevin Maguire, foi mais incisivo: — Blair levou o Reino Unido à guerra no Iraque com uma mentira, bloqueou um inquérito sobre corrupção na compra de armas pelas Forças Armadas e era viciado em promoção. Pare de querer nos dar lição de moral, primeiro-ministro.

No discurso, Blair destacou cinco pontos. Ele argumentou que escândalo e controvérsia têm precedente sobre a reportagem comum; que atacar supostos motivos das pessoas é mais potente do que atacar seu julgamento ou erro; que a mídia caça em bando; que comentários são tão importantes quanto notícias; e que freqüentemente os dois são confundidos: — Opinião e fato deveriam estar claramente separados. A verdade é que grande parte da mídia hoje não apenas omite os dois, mas o faz como algo rotineiro. A metáfora para este novo gênero de jornalismo é o "Independent" — disse Blair.

Simon Kelner, diretor do "Independent", acha que o que mais exasperou o premier foi a oposição do jornal à guerra no Iraque. "Após uma década de propaganda e contrapropaganda, de dossiês evasivos, de enterrar más notícias, de manipulação e desinformação, sentimos que a necessidade de interpretar e comentar a versão oficial é mais importante que nunca."

Para o diretor do semanário conservador "The Spectator", Matthew d’Ancona, "o Novo Trabalhismo estava feliz em dançar com a mídia até algo começar a dar errado". Ele se referia à publicação de dossiês sobre o Iraque e à investigação do suicídio de um especialista que acusara o governo de exagerar a ameaça das armas de Saddam Hussein.

O "Guardian" usou denúncias sobre propinas de um fabricante de armas britânico a um saudita como prova do valor da imprensa livre. Curiosamente, o "Times", apesar de ter a foto de um colunista substituída por um lobisomem para ironizar o comentário de que a mídia às vezes se comporta como "besta-fera, estraçalhando pessoas e reputações", fez mea-culpa: "A mídia, em ritmo de 24 horas, pode resultar num estouro de boiada que muitas vezes se torna um espetáculo deplorável. Ninguém é perfeito, e jornalistas também devem ter responsabilidade."

Para Peter Horrocks, diretor de noticiários da BBC, "Blair diz que líderes se sentem sobrepujados pela mídia, mas é interessante perguntar se cabe a eles decidirem até que ponto querem se sentir sobrepujados".

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