sábado, 23 de junho de 2007

Telefone fixo e Internet

ICMS pode cair R$ 7 bi com telefone por internet. Ligações Fixas respondem por 8,7% da arrecadação do país. Tecnologia, porém, pode trazer concorrência ao setor.

Tecnologia - Luciana Rodrigues e Mirelle
Jornal O Globo - 11/06/2007

O avanço da telefonia pela internet, no sistema Voip, trouxe, enfim, mais concorrência para o mercado de ligações fixas, beneficiando o consumidor. Mas os governos estaduais poderão sofrer uma forte perda na arrecadação de ICMS. A telefonia fixa responde por 8,7% da receita com esse imposto no país, ressalta Paulo Guaragna, fiscal da Receita Estadual do Rio Grande do Sul e autor de um estudo sobre tributação na internet. Se metade das ligações feitas no país migrar para o Voip — cenário que os analistas vêem como provável em 2010 —, a perda seria de R$ 7,38 bilhões anuais. Num cenário extremo, em que todas as chamadas passassem a ser realizadas pela internet, a redução de ICMS chegaria a R$ 14,94 bilhões. — A perda de tributação já é um fato — diz Guaragna.

Operadoras de Voip não recolhem ICMS

Ele explica que, ao reduzir o custo das ligações em até 80%, o Voip diminui a arrecadação de impostos. Além disso, a tecnologia desloca a telefonia para o que ele chama de "zona nebulosa" da tributação. Há decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que retiram o acesso à internet do campo de incidência do ICMS. A disputa está no Supremo Tribunal Federal (STF), e, enquanto não há julgamento final, muitas operadoras de Voip alegam que o serviço é acesso à internet para não pagarem ICMS. Ainda há as empresas de Voip sediadas no exterior e que, por isso, não recolhem o tributo. Para o consumidor, porém, o Voip poderá tornar o mercado mais competitivo. Como em outros países que privatizaram o setor, no Brasil a telefonia fixa é dominada pelas empresas que levaram as concessões das antigas estatais. Novas operadoras (as "entrantes") têm dificuldades para crescer.

Mas, com o Voip, essa realidade mudou em alguns países, afirma Luís Cuza, da Associação Brasileira das Prestadoras de Serviços de Telecomunicações Competitivas (Telcomp). Na Alemanha, 45% do mercado já estão nas mãos das "entrantes". Na França, 40% e na Espanha, 34%. Aqui, diz Cuza, 90% do setor ficam com as três grandes operadoras — Telefônica, Oi (ex-Telemar) e Brasil Telecom (BrT). — Nesses países europeus, houve regulamentações e a oferta de novas plataformas. É uma concorrência leal que beneficia o consumidor — diz Cuza, que lamenta a demora na licitação de novos padrões para banda larga, como o Wi-MAX. Mais cético, Huber Bernal Filho, diretor da consultoria Teleco, acredita que é cedo para avaliar o impacto de Voip e WiMAX na concorrência, e lembra que a infra-estrutura de banda larga no Brasil é controlada pelas grandes telefônicas. Em outros países, diz, a telefonia por internet avançou quando as operadoras de Voip investiram em sua própria infra-estrutura.

Serviço foi opção para espelhos e espelhinhos

O Voip acabou sendo uma opção para algumas empresas espelhos, que têm licença para atuar na mesma área das grandes concessionárias. Quem saiu na frente foi a GVT, espelho da BrT. No início do ano passado, a empresa lançou o Vono, serviço de Voip que tem hoje 49 mil linhas e cresceu 308% frente a março de 2006. — A GVT tem o tamanho necessário para esse movimento de vanguarda. Nem é tão gigante como as concessionárias nem tão pequena como as empresas chamadas virtuais — afirma o vice-presidente de Finanças da GVT, Karlis Kruklis, informando que as chamadas via internet já respondem por 2,5% da receita, ou R$ 5,4 milhões.

A Transit é uma das empresas de pequeno porte que estão aproveitando o Voip. Com licença para operar em telefonia fixa e autorização para prestar Serviço de Comunicação Multimídia (SMC), a operadora, que começou como espelhinho — figura criada para competir com as concessionárias e autorizadas na telefonia fixa — encontrou no Voip uma alternativa rentável: — Oferecemos soluções para o mercado corporativo. Temos dobrado a carteira de clientes nos últimos anos — disse Flávio Werneck, gerente de produto da Transit, parceira da Skype no Brasil.

Ministro é fã e usuário fiel da tecnologia: 'O futuro é o Voip', diz Hélio Costa Mônica Tavares

Trinta amigos e familiares em Brasília, Belo Horizonte e diferentes cidades dos Estados Unidos na lista de contatos do computador. E mais um telefone Voip de Miami, para falar com um filho que mora na cidade, a um custo de menos de US$ 20 por mês. O ministro das Comunicações, Hélio Costa, é um usuário de carteirinha da telefonia pela internet. — No caso do Skype, você ainda pode comprar créditos para ligações externas. Eu tenho essa relação de amigos com quem falo de graça, só pago a minha conexão à internet. Mas, se eu quiser, faço o depósito, compro os créditos, de R$ 20 ou R$ 30, e faço ligações de telefone para qualquer telefone do mundo — afirmou.

Costa reconhece que a economia do consumidor com o Voip virá acompanhada de uma queda na arrecadação de tributos sobre o setor de telefonia no país. A tendência é haver uma convergência das tarifas cobradas no mercado brasileiro com os valores internacionais. E o mesmo ocorrerá com a incidência de impostos. Se no Brasil cobram-se 50% de tributos e em outros países, 7%, o usuário vai preferir telefonar por meio de uma empresa internacional. O ministro aposta no crescimento do serviço à medida que a banda larga e o uso de computadores se expandirem no país. No Brasil, apenas dez milhões de domicílios contam com computador e seis milhões usam banda larga. — A única solução para as empresas de telefonia fixa é a criatividade. Elas têm que criar novos produtos todos os dias. Têm que mostrar aos usuários que o telefone não é mais só telefone, que ele faz uma porção de outras coisas.

Se a empresa conseguir fazer isto, vai sobreviver. Vai ser preciso usar as linhas telefônicas para fazer um terminal de acesso em que operem telefone, Voip, internet, eventualmente televisão. Só com o telefone a empresa não tem muito futuro, não, porque o futuro é o Voip — disse Costa. Hoje, no Brasil, não há regulamentação específica para Voip. Um técnico do ministério explica que a tecnologia é uma mudança conceitual muito grande, e avalia que qualquer tentativa de regulamentação agora impediria o avanço do sistema ou criaria distorções. Para o técnico, o importante é garantir a qualidade e a continuidade do serviço. O consumidor, garante, está protegido



Não tem volta

Tecnologia - Nelson Vasconcelos
Jornal O Globo - 12/06/2007

Você leu ontem, aqui no GLOBO, que a popularização da telefonia via internet (ou Voip) pode provocar, para o governo, uma perda bilionária com a arrecadação de ICMS. Chato dizer isso, mas vamos nos preparando: como a adoção de Voip será inevitável, só nos resta aceitar que novos tributos virão por aí. O governo, qualquer que seja, é sempre criativo nesse setor.

O consumidor, sempre com a corda no pescoço, não titubeia: migra para qualquer serviço que lhe seja mais conveniente. E pagar impostos não pode ser um esporte popular num país como o nosso, onde eles quase nunca são usados em benefício do contribuinte.

Essa característica não é exclusiva do consumidor brasileiro. Somente a Avaya, uma das patrocinadoras oficiais da Copa do Mundo, fornece telefonia pela internet para 3,6 milhões de clientes em todo o planeta. E o mercado é crescente, com empresas que oferecem serviços semelhantes proliferando.

Já a tecnologia, como vimos mil vezes, não espera a boa vontade dos órgãos reguladores e sai fazendo seu próprio mercado, ainda que por vias ilegais. As operadoras sabem disso e estão correndo atrás do prejuízo.

Enfim, assim como quase tudo que represente gastos menores, a telefonia via internet é um apelo forte e uma solução positiva, especialmente para os consumidores domésticos. E é o tipo da tecnologia que não vai morrer. Aliás, como temos hoje, no país, cerca de seis milhões de acessos em banda larga, há de se estranhar quem, desse povo, ainda não usa Voip.

E o resultado, diga-se novamente, só poderá ser a migração dos consumidores. E alguém vai pagar por isso: eu, você, nós todos. É uma questão de tempo.

Nenhum comentário: