sábado, 23 de junho de 2007

Os slogans que matam a jogada

Propaganda móvel invade gramados e desacata o futebol

Artigo - Arnaldo Bloch
Jornal O Globo - 09/06/2007

Sei que as federações faturam, os estádios faturam, os anunciantes faturam. Mas está difícil aturar a invasão de placas móveis de propaganda nos estádios, aqueles painéis eletrônicos que ficam piscando, fazendo correr luz e palavras, alternando-se freneticamente nas laterais dos gramados. São o cúmulo da interferência, piores que os "fantasmas" que apareciam nas tevês antigas, se bem que aqueles a gente resolvia com giro de botão e bombril na antena.

O fantasma, agora, é sem solução: nos estádios ou no conforto do lar, essas esteiras rolantes que arrastam o olhar são de deixar o espectador tonto, de fazê-lo tomar um Engov antes do pontapé, outro depois do apito. Não tem pra ninguém. Mata a jogada geral. É jogador correndo prum lado, logotipo de cartão de crédito correndo pro outro, uma cacofonia tremenda, a luminosidade cambiante ofuscando as cores da camisa, o campo, as sombras. E, quando a TV dá close, fica difícil saber se é pra acompanhar o lance ou ler anúncio de refri, de pinga, de carro, nem utilidade pública é.

Claro que o objetivo é esse mesmo, dividir a atenção entre o jogo e a publicidade gritante durante noventa minutos, captar a distração quando a partida estiver ruim, e é claro que algum dinheiro não faz mal ao futebol. Mas, peralá, a gente termina a peleja com vontade de vomitar, com ódio dos anunciantes, inclusive dos que, eventualmente, mereciam simpatia

Não há nada tão invasivo nas várias arenas da vida e da mídia do que essa jogada dos painéis. Por exemplo, publicidade em filmes e novelas é nos intervalos, há um mínimo de respeito, vê quem quer, quem não quer vai ao banheiro, desliga, muda de canal, depois volta.

Já em estádio não tem controle remoto e, mesmo quando o jogo passa na TV, não há modo de sair enquanto a bola rola, seu time em campo, tem que entubar a descarga eletrônica sem chiar. Essa deve ter sido a grande descoberta das últimas décadas, engolir assim, no maior mamão-com-açúcar, o público dos esportes, aos bilhões.

Pior é que se a gente deixar de lado os painéis e olhar pras torcidas a coisa também começa a ficar esquisita. A do meu time mesmo, num dos jogos contra o Vasco no Estadual, desenrolou um bandeirão daqueles que cobrem meia arquibancada, e, lá no centro do pano, disputando lugar com o escudo de coração, a marca do patrocinador. Danou-se: gás líquido aniquila estrela solitária. Putz, deu uma tristeza e ao mesmo tempo uma vergonha de estar no mesmo barco com aqueles torcedores que vendem pano de bandeira pra anunciante.

Tenho 41 anos, mas já posso dizer: no meu tempo não tinha isso, não. Era bandeirão de bambu, só estrelão, preto no branco. Alô, Bebeto, você que está fazendo um trabalho decente, não deixe a gente passar essa vergonha, não. Alô, Montenegro, pare de desqualificar as mulheres e dê um daqueles seus piripaques. Alô, CBF, vamos vender até as arquibas, espaço do povo, às marcas registradas?

Pode ser tiro n'água, mas dá vontade de mandar alguém se catar. Tudo bem, não é novidade que futebol é business (tem que ser, né?), todo mundo sabe que carnaval é business, que praia é business, que água é business, que fundo de prédio é business, que chão que a gente pisa é business, que meio ambiente é business, que ética é business, que política é business. Mas vamos com calma, senão daqui a pouco nosso amor vira business e até o ar que a gente respira vira business, e nesse dia nossas privadas piscarão, assentos luminosos, águas dançantes da bunda à alma, mas calma aí, alma não é bunda, ainda que bunda, tantas vezes, seja business.

Nenhum comentário: